quinta-feira, 31 de março de 2011



Na universidade em que estudo não se pode colar cartazes em nenhum lugar. Lá não se pode distribuir nenhum tipo de panfleto. Tampouco se pode passar em sala para dar avisos. Vários professores são demitidos sem justa causa todos os anos. O DCE não é d@s estudantes há 23 anos. Ele é do PDT. E não rolam eleições democráticas, nem prestação de contas, nem nenhum tipo de atividade onde a estudantada possa participar, nem festa. Nada. Enquanto nas outras universidades cobram R$ 7 para fazer ou renovar a carteiri0nha de estudante, eles nos cobram R$ 17. Existem somente 4 centros acadêmicos democráticos, entre os 50 cursos que são oferecidos. Existe inclusive um caso de homicídio associado ao DCE da nossa universidade. À força esse grupo se mantém no poder e fazem escola de corrupção: Mauro Zacher fora presidente do nosso DCE e hoje é o vereador da cidade acusado de ter desviado R$ 11 milhões do Pro Jovem, em 2008. A universidade em que estudo é privada e há cerca de 6 mil estudantes bolsistas do Prouni. Na nossa universidade o Restaurante Universitário custa R$ 5,50 e não funciona durante a noite. O xeróx varia entre R$0,10 e R$ 0,20 nos cursos. A mensalidade sobe todos os anos, assim como o xeróx, a passagem, o lanche e a renovação da carteirinha. Tudo isso sobe numa proporção muito maior do que o salário mínimo, que nos exigiram comprovar quando ingressamos na universidade com bolsa. Por lá não há nenhum mecanismo de participação discente. Nenhum mesmo. Sequer conhecemos o reitor, ou o diretor do nosso curso ou o prefeito da universidade. Estudamos em uma bolha antidemocrática, em muito assemelhada a uma universidade do Regime Militar. Ela tem um lema institucional curioso: “Viva esse mundo”. A nossa universidade é sede do Fórum da Liberdade.

terça-feira, 15 de março de 2011

"É a indignação que faz a consciência" de classe.


Em 2007, quando entrei na faculdade de Direito da PUC com bolsa do ProUni, conheci o Wagner, também estudante de direito e bolsista do Prouni. Éramos colegas e amigos. O Wagner é do Hip-Hop, é negro e mora numa periferia de Alvorada e por isso se diferenciava muito dos demais. Ele, eu e outra colega éramos alvo constante de piadas classistas dos nossos colegas, pois além de sermos duros, nos portávamos e nos vestíamos como tal.

Um dia o Wagner chegou na aula com cara de choro. Nos relatou que havia sido pego por um segurança da PUCRS ao entrar na universidade, com a seguinte abordagem:
- "Que que tu qué aqui pivete? Isso aqui não é lugar pra ti!".
Ele disse pro segurança que era estudante e teve que mostrar a carteirinha para ser liberado.

Lembro que ao invés de desanimá-lo dos estudos, esse fato lhe motivou ainda mais a estudar. A mim confesso que desanimou muito. Ser bolsista do ProUni é ser um peixe fora d'água, ou um peixe de mar em um pequeno açude de luxo. A impressão que temos, cotidianamente, é que estamos no lugar errado. No semestre seguinte a turma se dividiu, fui para a noite e ficou dificil de nos vermos.

Mas ontem o reencontrei. Cursamos agora o 9º semestre e lhe perguntei, despretenciosa, qual seria o tema do seu trabalho de conclusão. A resposta me surpreendeu. Ele escreverá sobre a Constitucionalidade das Cotas Raciais. E brigará por isso.
Eu dei uns pulos de alegria, lhe abracei, lhe parabenizei, exagerada. Ele, sorrindo, concluiu: "é, a indignação que faz a consciência". De classe, acrescentei.


quarta-feira, 9 de março de 2011

Será possível mudar o mundo?


"É certo que mulheres e homens podem mudar o mundo para melhor, para faze-lo menos injusto, mas a partir da realidade concreta a que “chegam” em sua geração. E não fundadas ou fundados em devaneios, falsos sonhos sem raízes, puras ilusões.O que não é porém possível é sequer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto. Possivelmente, um dos saberes fundamentais mais requeridos para o exercício de um tal testemunho é o que se expressa na certeza de que mudar é difícil, mas é possível. É o que nos faz recusar qualquer posição fatalista que empresta a este ou àquele fator condicionante um poder determinante, diante do qual nada se pode fazer." (Paulo Freire, Pedagogia da Indignação, Unesp, 1997.) Ainda bem.

Hoje, lendo o editorial do Brasil de Fato, refleti profundamente sobre a viabilidade de a nossa geração materializar mudanças sociais, políticas, econômicas relevantes agora e num próximo período.

Quem milita em movimentos, pastorais sociais, partidos de esquerda, tem o seu cotidiano marcado pelo embate: somos críticos na sala de aula, estudamos para nos qualificarmos para a luta, participamos do movimento estudantil, estamos em grupos de extensão, de pesquisa e temos uma postura crítica. Nos espaços de militância também somos críticos, tentamos ser pedagógicos. Somos inquietos e inquietas. No trabalho nos sindicalizamos, compramos umas brigas, fazemos diferente. Na família somos menos machistas, menos racistas, menos homofóbicos. Debatemos política no ônibus, em casa, na rua, na igreja, por e-mail. Fazemos blogs que pautam a luta de classes de um modo geral.

E isso é imprescindível. Apesar de não sabermos a medida, sabemos que esses pequenos e grandiosos esforços transformam vidas, despertam consciências, contribuem na organização das pessoas e têm conquistas reais.

Há aqui um porém. Todo esse esforço militante que marca a vida da gente não produzirá mudanças sólidas se não tivermos a capacidade de estabelecer prioridades, ter objetivos, metas claras pras nossas vidas. O tarefismo nos faz militontos. E a militância revolucionária tem que se aprofundar nos temas pelos quais se luta; temos que ler, escrever, compartilhar, se informar, irformar e formar outras pessoas, além de participar dos espaços e assumir as tarefas...

Por outro lado precisamos ainda decidir coletivamente por um eixo em torno do qual gravitem todas as lutas, onde elas desaguem e se alimentem, emprestem e, sobretudo, ganhem um sentido maior, abandonando o caráter fragmentário que vem assumindo e passem a constituir um só corpo, uma só força. Precisamos, mais uma vez, ter priodidades de pauta. Nossas pautas são muitas. Todas válidas, tudo igualmente importante. E onde tudo é importante, nada é importante (como foi dito no editorial do Brasil de Fato, ed. nº418.).

As mudanças significativas fazem parte de um projeto de sociedade solidária, justa e democrática que temos chamado de socialismo. Contudo, para acreditar que ele é possível e para fazê-lo temos muito a avançar. E acho que podemos começar por aí, definindo um eixo. E a partir do eixo, assumindo os riscos e as contradições da unidade (com várias ressalvas, tendo em vista que se aliar ao inimigo é estar contra a maioria e provavelmente no caminho errado), talvez comecemos a caminhar a passos largos.

Sozinhos vamos mais rápido. Juntos, vamos mais longe. Se trata de ir com quem vai no mesmo rumo.

domingo, 6 de março de 2011

Teoria da Conspiração


Atravessamos já uma década do novo milênio. Pela academia, pipocam os pós-modernos cheios de novas respostas para os supostos novos problemas. Respostas superficiais para problemas antigos e profundos. Dizemos isso e aí vem eles, com grandes campanhas de ‘faça você a sua parte’, que é o mesmo que dizer que cuspir no fogo apaga incêndio. Outro dia numa conversa com uma galerinha propagandista da pós-modernidade, fui dizer o que eu achava dessa farsa de novo paradigma, e aí me disseram: “Lá vem a cristã-marxista e a sua teoria da conspiração...”. Acertaram em cheio. O fato é que o mundo não conspira somente contra mim. São os milionários, os latifundiários, que conspiram contra os pobres, especialmente os que se organizam para resistir, no sentido de dominá-los. Eu prefiro chamar isso de luta de classes. Mas para dialogar com os meus amigos pós-modernos, chamo aqui de Teoria da Conspiração.



Nos calamos, neste instante e uma centena de vezes ao dia, consentindo, quase sempre, com a injustiça estabelecida: são fomes, são medos e são mortes, são imposições e são mentiras que de tão cotidianas chegam a cheirar a normalidade. Eles têm suas livrarias, suas universidades, têm seus mercados imensos que é onde vendem seus venenos; têm suas armas, de fogo, de terra e de água e fazem da nossa terra o seu lugar de gozo, de consumo e de exploração, de inescrupulosa exploração.





Eles, a quem me refiro, têm nome. Nomes pomposos, de difícil pronuncia. Rockfeller, Johannpeter, Odebrecht, Steinbruch, Alckmin e outros de pronuncia mais simples, mas não menos poderosos, como Marinho, Maia, Batista, Safra, Diniz. São empresários políticos e são políticos empresários, que trabalham e fazem política em defesa da sua classe.





Eles produzem muito mais carros do que as nossas estradas e nossos pulmões podem suportar. Eles atropelam ciclistas. Eles têm emissoras de televisão e de rádio, as maiores, que alcançam a maioria. E eles a convencem que ser como eles é a utopia mais bacana. Estamos cegos frente a tantos entulhos que inventam, frente a tantas necessidades que fabricam.


Eles estão por toda parte, apesar de serem poucos. O seu poder é tanto que até onde não estão eles estão. Eles, os fariseus dos nossos tempos, criam as leis que não cumprem. E criam tanta lei, que é para que, justamente, ninguém as possa conhecer.





Eles exterminam a juventude e assim vão exterminando, no seu projeto, toda a vontade de revolução. O planeta geme as dores da morte, não somente por causa das fábricas deles que matam a terra, o ar e as águas, mas especialmente porque, sem qualquer pudor eles matam o povo desta terra. E sem qualquer pudor matam, aos poucos, a possibilidade de organizar-nos, porque ao lado da miséria, do lixo e da violência, eles também produzem egoísmo e medo.


Eles têm unidade, têm estratégia e têm táticas. Usam sempre boas roupas e têm bons sorrisos.




Eles inventaram uma modalidade de machismo mais adequada ao seu tempo, que dá preço às mulheres, as descarta se não obedecem ao padrão. E eles maquiam o seu racismo, o chamam ultrapassado e morto, e o dizem precisamente porque este mesmo racismo é o que assegura os seus bolsos cheios e suas mesas fartas.





Eles não têm escrúpulos. Com eles não se é possível negociar. Não nos enganemos.





A maioria de nós trabalhamos para eles em troca da nossa sobrevivência, e para eles é que pagamos as nossas contas, no início de cada mês. Eles têm poder sobre os nossos braços: mandam trabalhar 8, 9, até 10 horas por dia com uma folga por semana e no resto do tempo mandam cruzá-los. E assim estamos, com os braços cruzados e cansados de tanto trabalhar e esperar.





Tentam parecer imbatíveis, mas não são. Apesar de afirmarem ilogicamente que é o seu capital que move o mundo, já sabemos que na verdade são as trabalhadoras e os trabalhadores que o fazem. E bem que poderiam simplesmente parar de fazer, parando assim o mundo, e rumá-lo em outra direção. Esse sistema que produz 5 milhões de desterrados e muito mais de cem milhões de miseráveis no Brasil, também produzirá um povo indignado e irreverente que, organizado em todas as frentes, parirá o novo tempo. E nada mais será relativo.