segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre fumar

Eu mesma não fumo.  Como haveria de fumar se desde sempre odeio os cigarros como odeio os ratos dos esgotos? Quem fuma é a minha frustração por não ser uma grande musicista; é a minha incapacidade de escrever de forma ordenada um romance épico; quem fuma é a minha saudade dos mortos, essa solidão gregária que se aprofunda quando estou entre vocês.

Eu mesma não fumo. Como haveria de tragar essa fumaça amarga que certamente ferra meus pulmões? Quem fuma é a minha falta de dinheiro para viajar pra cuba, espanha, guiné, grécia ou coreia do norte; quem fuma é a minha tristeza por não ser atriz, nem pintora, nem fotógrafa, nem nada.

Eu mesma não fumo. Como haveria de fumar essas substâncias todas que conduzem a uma morte lenta, se eu mesma sou incapaz – por questão da razão – de suicidar-me? Quem fuma é a sólida vontade de matar em mim tudo o que eu não sou, mas gostaria. O cigarro, meu inimigo mortal, se fez amigo das minhas dores e o meu lado feio – que tento esconder porque é só e frustrado – tem tido uma vontade cotidiana de fumar..

Mas eu mesma, o lado restante dessa criatura amarga como a nicotina, odeia cada tragada como odeia o mais asqueroso rato saído do mais fétido esgoto da maior capital do mundo.

Fumar é uma atitude radical e, ao mesmo tempo, uma conduta besta que pratico quando o desespero do vazio me acomete.  Fumar baixa a minha autoestima objetiva e subjetivamente, e ainda assim o faço. Fumo e lembro que odeio cigarros. Fumo e sinto que fumar me faz mal. E, sentindo o mal, respiro a fumaça e trago fundo, pra perto das minhas dores existenciais a fumaça, companheira maldita que, num segundo, me preenche de sujeira e me livra do vazio.

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terça-feira, 7 de abril de 2015

De saída.

Me afastei da militância partidária, no PT, há um ano. Me filiei em 2012 e me desfilio em 2015. Primeiro, me retirei das instâncias de coordenação que fazia parte, e logo depois da vida partidária, de um modo geral. E nesse processo entendi que o meu afastamento progressivo era fruto de uma profunda insatisfação pessoal e política, se é que as coisas se apartam assim. Por um lado por ser mulher e não poder mais suportar assédios de distintas ordens - conviver no partido com ex-namorado violento, deputados abusados e tarados, dirigentes machos que, no auge da sua posição política, não tinham tempo pra escutar com respeito opiniões de mulheres dirigentes, desde os seus lugares de não privilégio. Coisas corriqueiras, na política como na vida, mas coisas que aprendi, a duras penas, a desnaturalizar e não aceitar quieta.  Por outro lado, me afastei por compreender que um partido representante da classe trabalhadora precisa de uma estratégia real, um caminho traçado com teoria revolucionária, luta cotidiana e povo, pra ter condições de ocupar com responsabilidade esse lugar histórico (de vanguarda, por assim dizer).

Elementos ausentes num PT que “luta” sistematicamente por reeleições, que em muito pouco opina nos mandatos que elegeu, que se faz refém, mais a cada dia, do grande capital e, na mesma proporção, se afasta dos compromissos que o fundaram. Se não serve como agente histórico, que disputa as estruturas tendo em vista um rumo socialista, serve como legenda de aluguel. Serve pra que as megaempresas, que esgotam as pessoas e o mundo, elejam sua gente de confiança. Ou alguém se ilude que um deputado federal que recebe 5 milhões de reais de uma empresa terá um compromisso visceral com as demandas populares?

O capitalismo, com certo grau de autoconsciência e estratégia, que se apropria da cultura, da história e até dos desejos humanos, também se apropria das ferramentas feitas pela resistência para o confrontar. E pra saber o quanto resta de subversivo ao PT não precisa ser especialista. Com um pouco de boa vontade se percebe que a ordem engoliu o rebelde.

O que queria mesmo dizer é que, ao contrário do que dizem, não me afastei do partido porque sou recalcada, fraca, covarde, louca, desqualificada, alienada ou qualquer outro adjetivo associado a mim e às mulheres que berram contra o machismo, onde estão. Me afastei porque, racionalmente, não faz sentido suportar tantas contradições, defender um partido que esqueceu a que veio, um governo meio personalista meio fantoche, só pelo pragmatismo, pela disciplina ou pela fé. O grande aprendizado da vida, ao menos até hoje, acho que foi justamente o de jamais renunciar a minha capacidade e o meu direito de pensar.