Eu mesma não fumo.
Como haveria de fumar se desde sempre odeio os cigarros como odeio os
ratos dos esgotos? Quem fuma é a minha frustração por não ser uma grande
musicista; é a minha incapacidade de escrever de forma ordenada um romance
épico; quem fuma é a minha saudade dos mortos, essa solidão gregária que se
aprofunda quando estou entre vocês.
Eu mesma não fumo. Como haveria de tragar essa fumaça amarga
que certamente ferra meus pulmões? Quem fuma é a minha falta de dinheiro para
viajar pra cuba, espanha, guiné, grécia ou coreia do norte; quem fuma é a minha
tristeza por não ser atriz, nem pintora, nem fotógrafa, nem nada.
Eu mesma não fumo. Como haveria de fumar essas substâncias
todas que conduzem a uma morte lenta, se eu mesma sou incapaz – por questão da
razão – de suicidar-me? Quem fuma é a sólida vontade de matar em mim tudo o que
eu não sou, mas gostaria. O cigarro, meu inimigo mortal, se fez amigo das
minhas dores e o meu lado feio – que tento esconder porque é só e frustrado –
tem tido uma vontade cotidiana de fumar..
Mas eu mesma, o lado restante dessa criatura amarga como a
nicotina, odeia cada tragada como odeia o mais asqueroso rato saído do mais
fétido esgoto da maior capital do mundo.
Fumar é uma atitude radical e, ao mesmo tempo, uma conduta
besta que pratico quando o desespero do vazio me acomete. Fumar baixa a minha autoestima objetiva e
subjetivamente, e ainda assim o faço. Fumo e lembro que odeio cigarros. Fumo e
sinto que fumar me faz mal. E, sentindo o mal, respiro a fumaça e trago fundo,
pra perto das minhas dores existenciais a fumaça, companheira maldita que, num
segundo, me preenche de sujeira e me livra do vazio.
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