terça-feira, 19 de outubro de 2010

Hora de partir.



Tão longe estamos. Mas às vezes, com a ajuda da luz do sol e do vento que trás uns sinais, conseguimos avistá-la.

Falo daquele sonho antigo que tanta gente sonhou e não sonha mais. Aquele sonho que nos relega, as e os jovens militantes, à condição de idealistas, por sonhá-lo.

E eu não falo do socialismo, ainda que volta e meia eu faça uma defesa dele. Falo de algo ainda mais saboroso, mais colorido, mais inteiro, mais essencial e ainda mais humano, que está por vir.
É de comunismo que uns chamam. Mas nós, cristãs e cristãos, gostamos de chamar de Civilização do Amor. E eu acho um nome bem apropriado.

A vontade de escrever dela, desta civilização, veio de longe. Mais precisamente da Venezuela, de uma cidadezinha que se chama Los Teques.
Lá, entre montanhas, num clima parecido com o do sudeste brasileiro, vivemos um Congresso Latino americano das Pastorais da Juventude.
Por mais que o clero local, que organizou o evento, tentasse abafar, estava presente todo o tempo, de algum modo, sinais del gobierno revolucionário.

( Lá, a igreja é inimiga do governo porque o governo garante que o estado seja laico. E as escolas católicas correm o risco de serem extintas, tendo em vista que, num país democrático, a educação também deve ser laica.

Lá, ao invés de o governo sair por aí construindo casas nos confins das cidades para “solucionar o problema” da moradia, existem os consejos comunales que são conselhos comunitários onde a comunidade se organiza pra acessar recursos públicos e a decidir a forma como os utilizará. Com esse recurso constroem casas, estradas, escolas, investem em cooperativas solidárias, em melhorias diversas. E o coletivo não é massacrado pelo indivíduo. E o indivíduo não é massacrado pelo coletivo.

Lá, nas esquinas, ou em entradas de galerias, ou em bancas de jornal se vendem leis e a constituição federal. Lá as pessoas compram leis e mais do que isso, lá as pessoas conhecem as suas leis.
Lá o presidente é cristão e cita o evangélho em quase todos os seus discursos.

Lá acontecem feiras de La revolucion alimentaria, onde se vendem produtos de qualidade com o menor preço. Lá a fome está sendo extinta, assim como foi extinto o analfabetismo e o medo. )

O congresso latino americano das PJs valeu pelos encontros que promoveu. Pela galera linda, de luta e de fé que reuniu.
Mas poderia ter sido muito melhor, se a história fosse outra. A Teologia da Libertação vem sendo matada lugar a lugar, e essa maldição já chegou ao Brasil. Temos poucos anos de vida pela frente, isso se resistirmos muito.
E não sei se resistiremos, pois temos praticado algo como uma auto-censura, que é filha do medo de morrer, que nos inculcaram. Nós mesmos, jovens da Teologia da Libertação, temos medo de assim nos dizermos.
 
É como se tivessem nos encontrado ilegais, no porão de uma igreja, e aí abrimos os sorrisos mais falsos que temos e, por medo, negamos tudo que temos feito pelos anos. E prometemos não fazer mais. E um a um de nós vamos indo embora, entregando nossas esperanças e abandonando a igreja católica apostólica latinoamericana, da práxis libertadora que estávamos construindo.
Falo de todo trabalho de despertar da consciência crítica, trabalho de formar jovens militantes de um mundo melhor, de formar gente com esperança, com fé na vida e vida nos olhos. Todo trabalho junto das comunidades mais abastadas, mais esquecidas e mais desejosas de mudança, de onde fazemos brotar o desejo ardente de lutar.

É nesse tempo que sinto viver, dentro da nossa igreja. Tempo de farta colheita, de inúmeros jovens lutadores, militantes esclarecidos, e de uma igreja velha que não suporta nossa beleza e nos ameaça de morte.
Tempo de perseguição por um lado, e por outro, tempo de covardia.
Nós temos medo por dentro.

E assim apartamos nosso sonho da nossa prática, e, mesmo avistando um horizonte lindo lá na frente, rumamos por outro caminho, que não leva para lá, obedecendo a quem nos nega. E temos medo, nem sei mais do quê.
Tomara que eu esteja errada, ou no mínimo, exagerando. Tomara.