segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Universidade Privada no Brasil de Hoje


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73% dos estudantes universitários brasileiros estão em universidades privadas, comunitárias ou confessionais. E este fenômeno, que passa desapercebido, tem consequências no processo de desenvolvimento do país. Em que pese o acesso ao ensino superior se dê de forma muito mais simples nessas instituições, a realidade da universidade privada brasileira e o papel que ela cumpre podem ser caracterizados como desserviços na perspectiva da construção de uma sociedade solidária, democrática e economicamente justa.

Nossa geração presenciou uma série de mudanças no direcionamento de políticas de acesso ao ensino superior brasileiro, a partir do governo Lula, tais como o Prouni (Programa universidade para Todos), a UAB (Universidade Aberta do Brasil), o Reuni (Programa de reestruturação e expansão das Universidades Federais), a construção de 14 novas universidades e de mais de 100 novos campi espalhados pelos interiores do país, além da aprovação de uma política de ações afirmativas e outras iniciativas sem precedentes históricos.

Nos últimos dez anos dobrou a proporção dos jovens matriculados no ensino superior. E, quem tiver um pouco de memória ou curiosidade para pesquisar, perceberá a diferença abissal entre a realidade e o passado próximo, quando o estado brasileiro estava em mãos tucanas, sob o comando neoliberal. Nesse período da nossa história em que a classe trabalhadora padeceu como nunca, com salários ínfimos, à margem do consumo e sem políticas públicas de inclusão e de garantias fundamentais, a ideia de fazer um curso superior passava muito longe do projeto de vida da juventude que, com algumas excessões, não fugia muito do “caminho natural” de tentar completar o ensino médio, trabalhar a vida inteira, e apenas em alguns casos conquistar a casa própria e ascender socialmente.

O Brasil precisa de gente que não se contenta com pouco!”

Em que pese os avanços largos no rumo da democratização do acesso ao ensino superior no Brasil, é impossível fazer uma análise comprometida com uma sociedade justa fazendo vista grossa aos limites destes programas, que, no seu conjunto, ainda não representam uma verdadeira reforma universitária. E talvez seja justamente este o principal limite. Repensar o ensino superior na sua totalidade (seus objetivos, os currículos, os conteúdos, os métodos, o sistema de ingresso, a oferta de vagas, a assistência estudantil, a curricularização do tripé ensino-pesquisa-extensão, os investimentos, as concessões e o compromisso estatal de garantir tudo isso) é realizar uma das reformas de base que o Brasil precisa.

Já sabemos que o Prouni “salvou” uma geração inteira, e que esse milhão de estudantes não cabem ainda nos bancos das universidades públicas. Contudo, o Prouni, que garante o acesso para quem tem bom desempenho no ENEM e renda de até um salário mínimo per capita comprovada, não garante mais nada. Ainda que não seja cobrada a mensalidade, todos os demais preços na universidade privada condizem com a sua realidade elitizada, e, de forma alguma tem a ver com o salário mínimo comprovado pelos estudantes bolsistas, que, com algumas excessões dentre os cursos da saúde, não recebem nenhum outro auxílio para alimentação, cópias, transporte, moradia. E repito, são comprovadamente pobres.

Além dos bolsistas, nessa mesma condição se encontra um sem-número de estudantes que trabalham para pagar os estudos. Gente completamente desassistida pelo estado, que, via de regra, demora muito mais pra completar o curso e que quando se forma, além do canudo, recebe de presente uma impagável dívida contraída através de sistemas de financiamento, com facilidades burocráticas e juros absurdos.

A universidade privada é muito menos democrática que a pública. Isso se expressa no processo de admissão dos docentes e funcionários, nos conteúdos, nos métodos e na quase inexistência de mecanismos de participação dicente; no poder absurdo das mantenedoras, que lucram muito cumprindo mal o papel que o Estado lhes terceirizou. E por isso não é nenhum exagero denunciar a mercantilização do ensino superior no país, que é um jeito de dizer que esses espaços estão se convertendo, mais a cada dia, em empresas cujo o objeto é o estudante, o objetivo é o lucro e a missão é garantir legitimidade ideológica e base técnica ao capitalismo.

Um exemplo emblemático disso é o da PUC do Rio Grande do Sul, onde os estudantes não têm direito de sequer fazer movimento estudantil (a reitoria proíbe expressamente a panfletagem, a afixação de cartazes, a passagem em sala, as reuniões em salas fora do horário de aula). E se o estudante tiver alguma reclamação, deve se dirigir à ouvidoria e o procedimento é igual ao de uma empresa, onde o seu dono, neste caso o Reitor, jamais dá as caras.

E por falar em movimento estudantil...

A União Nacional dos Estudantes, entidade que representa os estudantes brasileiros, trata do tema de um modo superficial e contraditório. Muito preocupada em elogiar o governo pela ampliação do acesso à universidade, a direção majoritária da UNE se furta de fazer o debate sobre a regulamentação do ensino privado, no sentido de discutir e lutar com os e as estudantes por democracia, assistência estudantil, qualidade do ensino e até mesmo pelo fechamento das desqualificadas faculdades privadas, fabriquetas de diplomas, que não param de brotar no páis.

Além disso, a organização do movimento estudantil de base, nessas universidades, encontra mais dificuldades do que na pública. Em que pese haver um grande volume de demandas estudantis, que são o principal motor do movimento, são diversos os bloqueios que os estudantes que querem se organizar enfrentam. Se a maioria trabalha, essa maioria não tem tempo pra atuar no ME. As reivindicações, como já dito, são dirigidas ao reitor, escolhido pela tal mantenedora, que, sendo uma empresa, tem muito mais compromisso com a sua margem de lucro do que com a garantia de direitos. E na maioria dos casos, justamente pelos motivos anteriores, não há cultura de participação e de movimentação estudantil.

As principais bandeiras de luta do movimento estudantil nas instituições privadas, com base na nossa realidade da PUCRS e outras que acompanhamos por aí, são: pela revogação ou o não-aumento das mensalidades, por mais bolsas de iniciação científica e mais pesquisa e extensão de verdade, por assistência estudantil (transporte, moradia, escola de educação infantil, descontos e alimentação de qualidade) e pela regulamentação do ensino superior. Contudo, a principal reivindicação que deve orientar a luta dos e das estudantes deve ser a democratização da universidade. O fato de se tratar de iniciativa privada não pode lhes dar o direito de conservar uma estrutura medieval, ou monocrática. Quando os e as estudantes participam democraticamente das tomadas de decisões em todas as instâncias da universidade, ao invés de objetos, passamos a ser sujeitos da educação.

Por Uma Universidade Popular!