Moro na Borges, num
assentamento urbano que fica na famosa escadaria. A copa em porto alegre ocorre
no estádio beira rio, que fica numa avenida que é a continuação da nossa, a um
quilômetro daqui. Sou alheia ao futebol. Não vi nenhum jogo da copa. Sei de
alguns resultados porque vivo em sociedade e porque faço parte daquela gente
que sempre torce pra um país latino, africano ou asiático, contra os ianques e
os europeus, pelo gosto de poder derrotar, ao menos simbolicamente, os
colonizadores e os imperialistas.
Fui comprar café e pão
nessa manhã, do outro lado da rua, e me caiu a ficha. Nossa rua está bloqueada,
porque hoje, novamente, milhares de cidadãos e cidadãs do mundo passarão por
aqui, pela calçada de casa.
Semana passada, passou
uma marcha imensa de holandeses festeiros. Outro dia ouvi um som intenso de surdo,
e uns gritos firmes de guerra, achei que fosse outra multidão chegando, mas
não. Era uma meia dúzia de libaneses, com uma latente empolgação, muito séria e
aguerrida. Ontem à noite a nossa calçada estava cheia de uruguaios
resplandecendo uma alegria linda, emocionada, contagiante, depois do resultado
do jogo contra a Itália, 1x0. Hoje é o dia dos argentinos, barulhentos e
desconfiados, passarem por aqui. Acho que se sentem em território inimigo,
chegam imponentes, reivindicando o mestre Maradona com aqueles cantos típicos
Dale Dale ô... Pela nossa avenida também desfilou indignação e terror. As
marchas contra a copa ocorrem todos os dias de jogo. Denunciam o que sofre o
povo de todo país que recebe um mundial, pra se adequar às exigências homéricas
e esdrúxulas da Fifa. Atrás da gente indignada, passa o choque, com aquele
passo marcado. Coletes, cassetetes e escudos da covardia vestem os militares
que seguem a marcha das pessoas com seus cartazes. Atrás do choque passa a
cavalaria armada. Atrás da cavalaria, os camburões. Atrás dos camburões, as
ambulâncias. Um efetivo exagero que causa mais medo do que segurança na gente.
Pela rua da nossa casa
passa um pouco da copa do mundo, e as suas intrínsecas contradições. Beleza e
medo, festa e desigualdade, diversidade e preconceito, machismo e amor,
covardia e alegria... E a estranha sensação de sermos mundo.