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73% dos estudantes
universitários brasileiros estão em universidades privadas,
comunitárias ou confessionais. E este fenômeno, que passa
desapercebido, tem consequências no processo de desenvolvimento do
país. Em que pese o acesso ao ensino superior se dê de forma muito
mais simples nessas instituições, a realidade da universidade
privada brasileira e o papel que ela cumpre podem ser caracterizados
como desserviços na perspectiva da construção de uma sociedade
solidária, democrática e economicamente justa.
Nossa geração
presenciou uma série de mudanças no direcionamento de políticas de
acesso ao ensino superior brasileiro, a partir do governo Lula, tais
como o Prouni (Programa universidade para Todos), a UAB (Universidade
Aberta do Brasil), o Reuni (Programa de reestruturação e expansão
das Universidades Federais), a construção de 14 novas universidades
e de mais de 100 novos campi espalhados pelos interiores do país,
além da aprovação de uma política de ações afirmativas e outras iniciativas sem precedentes históricos.
Nos últimos dez anos
dobrou a proporção dos jovens matriculados no ensino superior. E,
quem tiver um pouco de memória ou curiosidade para pesquisar,
perceberá a diferença abissal entre a realidade e o passado
próximo, quando o estado brasileiro estava em mãos tucanas, sob o
comando neoliberal. Nesse período da nossa história em que a classe
trabalhadora padeceu como nunca, com salários ínfimos, à margem do
consumo e sem políticas públicas de inclusão e de garantias
fundamentais, a ideia de fazer um curso superior passava muito longe
do projeto de vida da juventude que, com algumas excessões, não
fugia muito do “caminho natural” de tentar completar o ensino
médio, trabalhar a vida inteira, e apenas em alguns casos conquistar
a casa própria e ascender socialmente.
“O Brasil precisa de
gente que não se contenta com pouco!”
Em
que pese os avanços largos no rumo da democratização do acesso ao
ensino superior no Brasil, é impossível fazer uma análise
comprometida com uma sociedade justa fazendo vista grossa aos
limites destes programas, que, no seu conjunto, ainda não
representam uma verdadeira reforma universitária. E talvez seja
justamente este o principal limite. Repensar o ensino superior na sua
totalidade (seus objetivos, os currículos, os conteúdos, os
métodos, o sistema de ingresso, a oferta de vagas, a assistência
estudantil, a curricularização do tripé ensino-pesquisa-extensão, os investimentos, as concessões e o compromisso estatal de garantir tudo
isso) é realizar uma das reformas de base que o Brasil precisa.
Já
sabemos que o Prouni “salvou” uma geração inteira, e que esse
milhão de estudantes não cabem ainda nos bancos das universidades
públicas. Contudo, o Prouni, que garante o acesso para quem tem bom
desempenho no ENEM e renda de até um salário mínimo per capita
comprovada, não garante mais
nada. Ainda que não seja cobrada a mensalidade, todos os demais
preços na universidade privada condizem com a sua realidade
elitizada, e, de forma alguma tem a ver com o salário mínimo
comprovado pelos estudantes bolsistas, que, com algumas excessões
dentre os cursos da saúde, não recebem nenhum outro auxílio para
alimentação, cópias, transporte, moradia. E repito, são comprovadamente pobres.
Além dos bolsistas, nessa mesma condição se encontra um sem-número
de estudantes que trabalham para pagar os estudos. Gente
completamente desassistida pelo estado, que, via de regra, demora muito
mais pra completar o curso e que quando se forma, além do canudo,
recebe de presente uma impagável dívida contraída através de
sistemas de financiamento, com facilidades burocráticas e juros
absurdos.
A
universidade privada é muito menos democrática que a pública. Isso
se expressa no processo de admissão dos docentes e funcionários,
nos conteúdos, nos métodos e na quase inexistência de mecanismos
de participação dicente; no poder absurdo das mantenedoras, que
lucram muito cumprindo mal o papel que o Estado lhes terceirizou. E
por isso não é nenhum exagero denunciar a mercantilização do
ensino superior no país, que é um jeito de dizer que esses espaços
estão se convertendo, mais a cada dia, em empresas cujo o objeto é
o estudante, o objetivo é o lucro e a missão é garantir legitimidade
ideológica e base técnica ao capitalismo.
Um
exemplo emblemático disso é o da PUC do Rio Grande do Sul, onde os
estudantes não têm direito de sequer fazer movimento estudantil (a
reitoria proíbe expressamente a panfletagem, a afixação de
cartazes, a passagem em sala, as reuniões em salas fora do horário
de aula). E se o estudante tiver alguma reclamação, deve se dirigir
à ouvidoria e o procedimento é igual ao de uma empresa, onde o seu
dono, neste caso o Reitor, jamais dá as caras.
E por falar em
movimento estudantil...
A
União Nacional dos Estudantes, entidade que representa os estudantes
brasileiros, trata do tema de um modo superficial e contraditório.
Muito preocupada em elogiar o governo pela ampliação do acesso à
universidade, a direção majoritária da UNE se furta de fazer o
debate sobre a regulamentação do ensino privado, no sentido de
discutir e lutar com os e as estudantes por democracia, assistência
estudantil, qualidade do ensino e até mesmo pelo fechamento das
desqualificadas faculdades privadas, fabriquetas de diplomas, que não
param de brotar no páis.
Além
disso, a organização do movimento estudantil de base, nessas
universidades, encontra mais dificuldades do que na pública. Em que
pese haver um grande volume de demandas estudantis, que são o
principal motor do movimento, são diversos os bloqueios que os
estudantes que querem se organizar enfrentam. Se a maioria trabalha,
essa maioria não tem tempo pra atuar no ME. As reivindicações,
como já dito, são dirigidas ao reitor, escolhido pela tal
mantenedora, que, sendo uma empresa, tem muito mais compromisso com a
sua margem de lucro do que com a garantia de direitos. E na maioria
dos casos, justamente pelos motivos anteriores, não há cultura de
participação e de movimentação estudantil.
As
principais bandeiras de luta do movimento estudantil nas instituições
privadas, com base na nossa realidade da PUCRS e outras que acompanhamos por aí, são: pela revogação ou o não-aumento das mensalidades,
por mais bolsas de iniciação científica e mais pesquisa e extensão
de verdade, por assistência estudantil (transporte, moradia, escola de educação infantil, descontos e alimentação de qualidade) e pela regulamentação do
ensino superior. Contudo, a principal reivindicação que deve
orientar a luta dos e das estudantes deve ser a democratização da
universidade. O fato de se tratar de iniciativa privada não pode
lhes dar o direito de conservar uma estrutura medieval, ou
monocrática. Quando os e as estudantes participam democraticamente das
tomadas de decisões em todas as instâncias da universidade, ao invés de objetos, passamos a ser
sujeitos da educação.
Por
Uma Universidade Popular!